Obra Convidada – O retrato de um desconhecido.

A pintura “O Retrato de um Desconhecido” é a obra convidada da Quinta das Cruzes

Na próxima sexta-feira dia 15, às 18h00, o Museu Quinta das Cruzes recebe em exposição, a pintura “Retrato de um Desconhecido”. Trata-se de uma pintura a óleo sobre tela, da segunda metade do século XVII.

Integrada no projeto “Obra convidada”, foi adquirida por um colecionador particular madeirense no mercado leiloeiro português em 2018 e recentemente alvo de uma intervenção de conservação e restauro pelo atelier Isopo quer no suporte pictórico, quer na reconstituição e conservação da moldura dourada.

Na sexta-feira, o Diretor de Serviços de Museus e Património Cultural, Francisco Clode de Sousa fará a apresentação desta pintura que poderá ser visitada na sala 5 do Museu Quinta das Cruzes até ao dia 15 de dezembro, de 2019.


Esta pintura, pertencente a um colecionador particular foi adquirida no mercado leiloeiro português em 2018 e recentemente foi alvo de uma intervenção de conservação e restauro, a cargo da empresa ISOPO.

Na senda de um grande mestre. O retrato de um desconhecido.

Foi adquirida em 2018, no mercado leiloeiro português, uma pintura a óleo sobre tela, por um colecionador particular madeirense. Tratava-se de um retrato muito enegrecido, com grande oxidação do verniz protetor e evidências de pequenos restauros. A moldura, de madeira entalhada e aplicações moldadas de gesso patinado a ouro, encontrava-se com algumas falhas e faltas, sobretudo nas zonas mais delicadas e recortadas.

Foi a pintura em questão intervencionada pelo atelier de conservação e restauro Isopo, quer no suporte pictórico, quer na reconstituição e conservação da moldura dourada, que deve datar de meados do século XIX. A tela apresenta uma gramagem e teia próximas a muitos exemplares conhecidos de meados do século XVII e inícios do século XVIII.

A pintura representa um dignitário, posto a três quartos, sobre fundo escuro, onde não se vislumbra qualquer elemento de enquadramento ou recorte. A figura revela-se, quase de forma espectral, emergindo do fundo, com longa cabeleira encaracolada que se insinua e recorta por pontos de luz contra o fundo escuro, em suaves matizes que sugerem, mais do que definem. Os cabelos insinuam também de forma muito discreta a largueza do tronco da figura, que veste túnica negra. Apresenta delicada gola comprida debruada de tecido transparente branco.

O rosto é marcado pela idade avançada do retratado, com a presença de rugas e ossaturas, de boca afilada e cerrada, com olhar penetrante sobre a esquerda do observador, de gelados olhos azuis.

A encomenda revela antes de mais uma concentração numa espécie de naturalismo absoluto da identidade do retratado, sem desvios ou efabulações de representação áulica do seu poder. Uma espécie de apresentação para a eternidade de uma identidade não mascarada, marcada pela perspicácia e inteligência e lucidez do olhar.

É conhecida a importância, desde meados do século XVI na Europa, do retrato como uma das disciplinas artísticas mais apetecíeis em muitas das escolas e oficinas, junto das cortes, mas também de uma burguesia crescente, desejosa de uma nobilitação e do acesso aos códigos de representação do poder, e da sua afirmação identitária.

Particularmente notável ao longo do século XVII é a pintura de retrato holandesa e flamenga que depois se expandirá por Inglaterra, França e outros países europeus.

O Museu Quinta das Cruzes possui um retrato, que pode de certa forma enquadrar-se no mesmo quadro cronológico, representando D. Francisco de Moura Corte Real, 3º marquês de Castelo Rodrigo, atribuído ao pintor François Duchastel. Essa pintura, apesar da sua escala e do enquadramento áulico e de uma simbólica representativa de poder, com a sua armadura e bastão de comando, também apresenta o retratado a três quartos, com o mesmo tipo de penteado e a mesma profundidade retratista. O retrato do 3º marquês de Castelo Rodrigo deve ter sido realizado entre 1664-1668, quando o retratado foi governador dos Países Baixos Espanhóis. François Duchastel, nascido em Bruxelas em 1616, foi aluno de David Teniers, o Novo, e trabalhou no atelier de Adam van der Meulen, em Paris.

Na tradição flamenga do retrato no século XVII, refira-se a figura, por exemplo, de Gonzales Coques (1614-1684), nascido em Antuérpia, ou Frans Franken e Gaspar de Witte, ou mesmo a figura de Frans Wouters, grande apreciador da tradição do retrato, posta em Inglaterra por Anthony van Dick.
Em França, um gosto do retrato de grande densidade psicológica, na sequência da tradição holandesa e flamenga, desenvolve-se particularmente junto de figuras como Robert Nanteuil, Simon Vouet, Philippe de Champaigne, Charles Lebrun e Pierre Mignard.

A pintura agora apresentada no Museu Quinta das Cruzes, constitui uma oportunidade de nos confrontarmos diretamente com este exercício, que sempre foi a ideia do retrato: captar para a eternidade o melhor de nós próprios.

Curioso é notar, que uma secura de meios e elementos diferenciadores ou enriquecedores da dispersão visual, na pintura em causa, fazem lembrar uma progressiva concentração e alienação de meios visuais no fim da obra de Phillippe de Chanpaigne, convertido ao Jansenismo, e muito marcado pela concentração na transparência da alma e na dimensão espiritual da representação, mais do que a acumulação de elementos diferenciadores.

Este retrato de desconhecido poderá, num estudo mais profundo, vir a desvendar a sua autoria e o nome do retratado.